O Afeto na Era de Sua Reprodutibilidade Digital

Por bem ou por mal a internet e seus dispositivos tem mudado a forma que fazemos… tudo. Educação, comunicação, consumo, entretenimento… é difícil imaginar um aspecto de nossas vidas que não tenha sido influenciado por essa conectividade. A partir dos benefícios evidentes oferecidos por essa tecnologia (acesso à informação, otimização de recursos), como são os mecanismos com que esses dispositivos tem influenciado nosso comportamento?

O teórico canadense Marshall McLuhan já pensava em algo parecido sobre o rádio e a televisão nos anos 60, quando propôs que “as tecnologias e métodos que usamos para distribuir conteúdo tem um maior impacto na sociedade do que o próprio conteúdo”. E apesar de não ter dito a frase, McLuhan avançou a ideia de que “nós moldamos as nossas ferramentas e depois, as nossas ferramentas nos moldam” (John Culkin).

Quais são os limites da comunicação mediada por dispositivos que estão cada vez mais rápidos e integrados (nas nossas vidas e nossos corpos), e que promovem um tipo de transmissão unilateral incessante, preocupada com “likes”, “trending topics”, etc?

Mais recentemente, a socióloga americana Sherry Turkle tem estudado os efeitos psicológicos dessas ferramentas de comunicação no imaginário coletivo, e em seu livro Alone Together aponta alguns dos desejos criados por essas novas tecnologias. Turkle cita como exemplo que o uso desses dispositivos tem contribuído à uma ilusão de nunca estarmos sozinhos (porque sempre temos alguém, ou pelo menos um mural, para nos ouvir) e que podemos controlar nossas emoções através de conteúdo midiático.

No ensaio Neuro-Totalitarianism, o teórico e ativista italiano Franco Berardi faz a conexão entre os efeitos psicológicos e neurológicos dos meios de comunicação e a lógica de produção e consumo do sistema capitalista responsável pelo desenvolvimento dessas tecnologias. Propõe que essa “captura digital de atenção”, ubíqua e incessante, tende a beneficiar empresas e desarticular o coletivismo político e cultural.

Podemos considerar neutra uma rede onde a maioria dos aplicativos, interfaces e recursos materiais que utilizamos para participar são mantidos por iniciativas privadas, com expectativas de lucros cada vez mais altos?

É óbvio que o relacionamento entre tecnologia, indivíduo e sociedade é complexo, e propulsiona desdobramentos materiais, culturais e psicológicos. Também é óbvio que não faz muito sentido imaginar um futuro desconexo, offline. Ou seja, não podemos resolver os problemas de hoje com os conceitos de ontem.

Ou, como disse McLuhan, não podemos seguir tentando “fazer o trabalho de hoje com as ferramentas de ontem”, ainda mais quando as ferramentas de ontem causam as ansiedades de hoje. Talvez o mais sensato seria pensar nas ferramentas de amanhã, e nas possibilidades de conexão, comunicação e afetividade pós-internet.

Pós-internet não significa sem internet. As redes sociais já existiam antes da internet; diferentes práticas sociais que nos conectavam de acordo com diferentes necessidade e contextos. Compreendendo nossas relações em termos de circulação e não de identidade estática, em termos de trajetórias em vez de locais, de forças em vez de objetos, podemos estabelecer novas coletividades fora da lógica que produziu essa internet.

Aqui, pós-internet significa reconhecer a internet como um grande experimento que conduzimos em nós mesmos, com todas suas ramificações (comerciais, pessoais, governamentais) e consequências (culturais, psicológicas, econômicas), e propor outras redes, interfaces, organismos e sistemas de agenciamento que levem em consideração os desejos criados pelas nossas atuais formas de comunicação.